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Contaminantes ambientais afetam mais algumas pessoas. O motivo está nos genes

POR CLAUDIA JURBERG, DA AGÊNCIA FAPERJ

FOTOS DE DIVULGAÇÃO/ PESQUISADORES

Estudos liderados pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), em parceria com colaboradores nacionais e internacionais, mostraram que uma variação genética existente na população pode agravar o risco de indivíduos a desenvolver efeitos tóxicos à metais pesados presentes em ambientes contaminados. Publicados no periódico Toxics em 2024, em parceria com a Fiocruz, os trabalhos indicam que a influência genética aumenta os níveis de mercúrio no corpo, causando atraso no desenvolvimento neurológico em crianças indígenas da etnia Munduruku, na Amazônia. A equipe também identificou a mesma variação genética em moradores de um condomínio construído em um terreno contaminado por resíduos da indústria do aço, no Estado do Rio de Janeiro, e que apresentavam altos níveis de metal tóxico no corpo, como o cádmio, que provoca doenças pulmonares, neurodegenerativas, entre outras.

Na parceria com a Fiocruz, coordenada pela cientista Fátima Moreira, uma das pesquisas avaliou os níveis de cádmio no sangue e na urina de 198 moradores do condomínio situado em Volta Redonda, no sul Fluminense. Os resultados mostraram que 87,4% dos participantes apresentaram níveis de cádmio no sangue acima do limite tolerável (0,5 μg/L) e que níveis elevados do metal no corpo foram associados com a presença ou o risco de desenvolver doenças respiratórias. Além disso, 53,3% dos moradores do condomínio tinham alguma doença crônica não transmissível, como doenças cardiovasculares, respiratórias, neurológicas, renais ou neoplasias. Destes, explica a pesquisadora Jamila Perini, da Uerj, 84% apresentavam a alteração genética (GSTP1 AA ou AG) associada, anteriormente, a maiores níveis de mercúrio e distúrbios neurocognitivos em indivíduos ambientalmente expostos ao metal.

- A exposição crônica ao metal pesado associada a uma variação genética pode sinalizar um maior risco de desenvolver certas doenças, em função da não eliminação do metal do corpo. Acredito que se identificarmos de forma mais rápida e eficaz esses indivíduos suscetíveis, podemos oferecer tratamentos imediatos e mais específicos, afirma Perini.

As principais vias de exposição ao cádmio são a inalação e a ingestão, sendo que até 60% da dose exposta é absorvida pelas vias respiratórias. Uma vez absorvido, o cádmio é distribuído pelo sangue para vários órgãos, principalmente rins e o trato gastrointestinal. O metal tóxico pode ficar acumulado no sistema digestivo por 4 a 19 anos e nos rins por 6 a 38 anos.

Segundo Perini, os altos níveis de cádmio e a prevalência de doenças ressaltam a necessidade urgente de políticas públicas de monitoramento contínuo de populações expostas e que protejam populações vulneráveis.

Exposição ao mercúrio em crianças indígenas - Nos últimos anos, estima-se que a exploração do garimpo na Amazônia Brasileira tenha aumentado mais de 90%. E a mineração de ouro tem sido uma fonte significativa de exposição humana ao mercúrio, que é descartado de forma imprudente em toneladas no meio ambiente, contaminando rios e, consequentemente, ribeirinhos.

O metilmercúrio, um subproduto do mercúrio, é acumulado na cadeia alimentar aquática e, após a ingestão de peixe contaminado, pode alcançar o cérebro e causar danos aos sistemas nervoso central e periférico, afetando o neurodesenvolvimento infantil.

Diante desse cenário, o grupo de Perini foi investigar uma variação genética já associada (GSTP1 AA ou AG) pela sua equipe com maiores níveis de mercúrio e distúrbios neurocognitivos em indígenas da Amazônia Brasileira, expostos de forma crônica ao metal.

Desta vez, o trabalho de campo foi coordenado por Paulo Basta, da Fiocruz, e realizado em três aldeias indígenas: Poxo Muybu, Sawré Aboy e Sawré Muybu, do povo Munduruku do médio rio Tapajós, no estado do Pará. Todas as famílias foram convidadas e aceitaram participar do estudo. O projeto atingiu uma amostra de 200 indivíduos e, para análise do neurodesenvolvimento das crianças indígenas, foi selecionada uma amostra de conveniência de 82 crianças de 0 a 11 anos. As associações entre alterações genéticas, níveis de mercúrio e outras condições neurológicas foram avaliadas em indivíduos com 12 anos ou mais anos.

Os resultados apontaram que, dentre as 82 crianças, nove tinham distúrbios de neurodesenvolvimento e apresentaram níveis de mercúrio acima do limite de segurança; e oito, dentre as nove, tinham a variação genética que amplifica problemas de saúde. Os danos neuropsiquiátricos provocados pela exposição ao mercúrio têm um impacto direto na qualidade de vida das pessoas. Estudos já demonstraram uma tendência de piores indicadores de saúde mental em indígenas Munduruku com níveis elevados (≥6,0 μg/g) de exposição ao metilmercúrio. Além disso, a exposição ao mercúrio representa risco de anemia ferropriva, infecção por malária, baixa estatura e dificuldade de aprendizado.

Segundo Perini, os resultados destacam a situação de vulnerabilidade em que vivem essas crianças, dada a presença dos primeiros sintomas de contaminação por mercúrio e o papel das alterações genéticas nesse processo. Para ela, há uma clara necessidade de monitoramento dessa população para tratamento específico e aconselhamento genético com o objetivo de identificar crianças com maior risco de distúrbios neurodesenvolvimentais resultantes da exposição crônica ao mercúrio.

Este projeto contou com a participação de cientistas da Uerj, Fiocruz, UFRJ, USP, do St Mary’s Hospital e do Imperial College de Londres. Ambos os trabalhos foram financiados pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).







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